Se existe alguém que sintetiza ao mesmo tempo o imenso atraso e as variadas mazelas de nosso sistema político, este é, sem dúvida, José Sarney. Clientelismo, fisiologismo, nepotismo e corrupção são alguns dos atributos negativos que têm emoldurado a figura do velho político maranhense ao longo das décadas em que exerceu o poder ou esteve próximo dele.
Afinal, desde os anos cinquenta, Sarney é personagem das páginas políticas da imprensa, inicialmente como deputado - foi eleito pela primeira vez em 1955 -, depois como governador do Maranhão (1966-1971), senador pelo Maranhão (1971-1985), presidente da República (1985-1989), senador pelo Amapá (1991-1998, 1999-2006, 2007-...) e presidente do Senado por três vezes (1995-1996, 2003-2004, 2009-...) . É um currículo de fazer inveja, mas sempre recheado de suspeição.
O fato é que, se quisesse, Sarney poderia, mesmo ocupando a cadeira de senador, estar gozando das delícias de uma aposentadoria excelentemente remunerada, e se dedicando a outra atividade que o encanta: a literatura,(apesar de ser um medíocre escritor). Desde que não tivesse se deixado seduzir mais uma vez pelo "encanto do poder". Se tivesse optado pela aposentadoria, todas as mazelas que ele protagonizou ou patrocinou estariam esquecidas e adormecidas no fundo do baú, pela benevolência da imprensa e dos amigos e pela amnésia do povo. E muitos de seus áulicos, a esta altura, estariam tecendo loas e se referindo a ele pelo lado positivo de sua biografia. Afinal, para muitos ele foi o responsável pela consolidação da democracia, após os anos de trevas do regime militar.
Mas a sede pelo poder foi mais forte, e levou o velho político a concorrer à presidência do Senado para se colocar no centro de um fogo cruzado. Mal sentou-se na cadeira da presidência, Sarney passou a ser bombardeado por uma série de denúncias de extrema gravidade, e que poderiam tê-lo levado, caso o Brasil fosse um País sério, à imediata renúncia e ao banco dos réus. A biografia, tão prezada por ele, deu lugar a algo mais parecido com uma extensa ficha criminal.
Dentre as várias irregularidades, Sarney vem sendo acusado da prática de nepotismo, de patrocinar atos secretos para nomeações irregulares, de empréstimo de apartamentos funcionais a amigos e parentes, de uso indevido de verba indenizatória, de desvio de funcionários do Senado para prestar serviços particulares, de esconder bens imóveis em suas declarações à Justiça, de desvio de verbas da Petrobras destinadas à Fundação que leva o seu nome, e, para terminar, de manter contas secretas no exterior.
O fato é que Sarney se sustenta pelas mãos do presidente Lula. Na semana retrasada, pressionado pela família, pensou em renunciar, mas foi induzido por Lula a não fazê-lo. O presidente, atirando no lixo a própria biografia de radical militante de oposição, assume hoje uma postura de cínico pragmatismo, na qual a moral e a ética e os bons costumes republicanos, bem como a integridade de Senado, só fazem sentido se estiverem a serviço do continuísmo de sua turma no poder. Como não estão, então que se danem. Desta forma, se alia ao que de pior existe na política, e julga que a sua grande popularidade basta para abafar escândalos e proteger criminosos políticos e políticos criminosos.
Por isso, atirando na lata de lixo qualquer espécie de constrangimento de ordem moral e ética, tornou-se avalista da permanência do combalido presidente do Senado, mesmo ao preço da desmoralização da bancada petista, que já havia se decidido pelo afastamento de Sarney e teve que recuar sob as ordens do chefe. Ruim para o PT, mas ótimo para a democracia, que desmascara de uma vez por toda um partido pretensioso e arrogante que se julgava diferente dos demais. Não é. Como os demais, não passa de um partido oportunista, fisiológico, e mansamente subordinado a um cacique.
Se, de um lado, ele pode calar no grito qualquer tentativa de insubordinação no seu partido, de outro, Lula tem que se encher de cuidados em sua relação com o PMDB. É que o partido de Sarney, Renan, Temer e outros caciques não costuma ser dócil e submisso como o PT. E para assegurar a sua fidelidade, o presidente precisa praticar constantes malabarismos, nos quais quase sempre estão envolvidas generosas verbas públicas e cargos no governo. E é com o PMDB que Lula conta para levar adiante o seu propósito de permanecer no poder através de Dilma Rousseff.
Não se sabe até quando será vantajosa aos olhos do governo Lula e do PMDB a permanência na chefia do Senado de uma figura tão marcada negativamente. Chegará o momento em que o Ministério Público, a Polícia Federal e a própria oposição terão que dar uma satisfação à sociedade e atuar com mais contundência do que vêm fazendo até agora. E Sarney será finalmente defenestrado do cargo, com todas as honras que um oligarca corrupto e poderoso, que um dia por acaso chegou à presidência da República, merece.